segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Fogueira

Era cheiro de leite. Leite com sabor de manjericão. Do cheiro, brotavam movimentos faceiros. Corpos sedentos. Mulheres de fogo. Rodava a fogueira. Por dentro das entranhas, queimava. Entre risos e rimas improvisadas, era puro samba. A mulher-menina-erê perdeu a roupa de dormir. Deixou-a sambando sozinha e fez a nudez do seu corpo pequeno saltitar. Ganhar forma. A mulher-exú não contou conversa. Arrancou trapo por trapo e arremessou para bem longe das suas pegadas. Fez-se furacão. Cospiu vento. A rainha do mar, então, apareceu. Com voz de sereia e corpo de meretriz. Com corpo de sereia e voz de meretriz. Mulher de dentro, de força, de seios grandes e curvas arredondadas. O seu movimento é pura sensação. Não olha nos olhos. Nunca olha. Esfrega os seus cachos desfeitos na cara de um homem de azul. Sem pretensão. Sem gozo. Sem rima. Não corre. Apenas passeia a sua beleza enquanto Iansã pede passagem. De corpo dourado, exibe uma nudez que enfeitiça. Não emite som algum. Apenas grita um grito oco que vem de dentro e é puro vento. E as mulheres rodopiam, tirando do útero a fogueira da alma. Tirando da alma, a fogueira do útero...

Eu. Peço permissão para entrar nessa fogueira. Sinto uma vontade irritante de gritar e rodar, rodar, rodar. Arranco a minha roupa e me banho de leite. Arranco as minhas amarras e me solto mulher. Destroço os meus medos e me faço meretriz. E rio. E rodo. E queimo... inteira.



*Fui convidada a entrar na Fogueira pelo Grupo Alvenaria de Teatro no espetáculo apresentado no dia 28 de janeiro. Agradeço!

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